domingo, 26 de julho de 2009

Uma Borboleta



- Viste a borboleta, Amélia? Fico sempre nervosa quando não sei onde ela está
- Acho que não foi há muito tempo que passou por aqui. Mas agora não a vejo.
- A Glória acabou de passar. Deixa sempre esta corrente de ar. Deve ter entrado na cozinha.
- …
- Sentes o aroma das violetas, Amélia?
- Sim, há um perfume que vem do lado das laranjeiras. É com certeza o vento que o traz. Mas não é de violetas, é dos jacintos, que a esta hora do dia ficam irrequietos com o vento que desce da montanha.
- Sempre preferi o cheiro das violetas. Lembram-me o perfume que a mamã punha quando saía.
- O vento desce da encosta e fustiga os jacintos contra as paredes da casa e o perfume deles escoa-se pelas frinchas das portas.
- Então já é o fim da tarde. É sempre a essa hora que o vento desce da encosta em direcção ao rio.
- A Glória deve estar a tratar do fogo. Fá-lo sempre antes do cair da noite, desde que não seja Julho ou Agosto.
- Talvez ainda seja Maio, ou Abril.
- Ainda te importas, Lucília?
- Com o quê?
- Quando sentes o perfume das violetas é porque estás a pensar naquilo.
- Nem sempre. Às vezes aparece-me e não estou a pensar em nada.
- …
- Ma se o cheiro se prolongar por algum tempo começo a pensar, como agora. Abrem-se as portas desse dia e eu não posso fazer nada para o impedir. Os dias são tão iguais, agora. O que mais me custa é a ausência das cores. Não se consegue ver o tempo a passar. Ainda achas que eu tive culpa?
- …
- O teu silêncio diz-me que sim.
- Deve ser com certeza o cair da noite. Estes ruídos são os da Glória a partir os ramos para o lume. Tu protestavas sempre com a lentidão com que ela fazia as coisas.
- Contava-nos histórias à volta da lareira quando a mamã e o papá não estavam. Uma vez disseste-lhe que querias que o tempo parasse. Foi nessa noite que avariaste o relógio da sala. Agora também me custa o silêncio dela. Foi nas férias da Páscoa que aquilo aconteceu, não foi?
- Era um dia sem nuvens no céu. O sol nascera tão cedo que já me batia na face quando acordei. Já havia o aroma do café pela casa toda. O papá e a mamã tinham saído para a vila por causa dos nossos vestidos de comunhão.
- E havia o aroma da torta de noz e do bolo de framboesa। Quando acordei, foi a primeira coisa que senti.- Eles só chegaram depois, quando o sol já ia por cima dos carvalhos. O ruído que faziam era tão penetrante que o senti por baixo do vestido à volta do umbigo. Foi nessa altura que gritei e corri para a janela da sala.

(...)

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