sexta-feira, 24 de julho de 2009

A Pedra

Não saio desta pedra de onde vejo as duas amoreiras, os plátanos, toda a praça.
Não saio desta pedra onde sempre me sentei, encostado à parede da casa onde sempre vivi. Eu disse-lhes que as casas ficavam sempre connosco, envelheciam connosco, como esta pedra de onde vejo toda a praça e toda a praça me vê.
Disse a todos que não voltaria a sair desta pedra onde me sento de manhã à noite, quer venha agora o sol ou a chuva, o vento do norte ou até a noite escura. Disse-lhes: eu faço parte desta praça, sou dos plátanos e das amoreiras que eles protegem como duas filhas; eu, esta pedra onde me sento e a casa que comigo envelheceu.
Um dia tiraram-me à força desta pedra e levaram-me para a prisão das paredes brancas. Resisti como pude, mil vezes afirmei e outras mil gritei que queria voltar a esta pedra onde me sento, de onde vejo toda a praça e toda a praça me vê, que o digam os plátanos, as amoreiras e as pessoas que a atravessam; que o digam os pássaros.
Diziam que eu tinha de respirar o ar que tiravam de uma garrafa, e que morreria se me libertassem. Eu disse-lhes que morrer todos havemos um dia, é um direito que nenhum governo nos pode tirar, e o dia e a pedra onde cada um morre só a ele cabe decidir. Fui mais forte que os guardas e gritei-lhes: eu quero morrer naquela pedra para que os plátanos me vejam. É um direito que eles têm e para eles será o meu último olhar.
O grande carro das luzes vermelhas deixou-me na pedra onde me sento. Os plátanos sorriram-me e disseram bye bye ao carro que se afastava empurrado pelo vento. Os pássaros aproximaram-se em grandes voos circulares; por vezes descem num voo picado sobre o lugar onde me sento.
Sei que está vazia a casa por detrás de mim. Os filhos longe, nas cidades distantes que existem no mundo para além da praça onde pertenço. Consigo ver deste lugar a forma dos seus pés descalços gravados na terra. Afagam-nas os ventos de Outono, a neve e as chuvas de Inverno. E consigo ouvir as palavras que gritavam entre os plátanos, as gargalhadas sonoras, os primeiros gritos de dor. A praça mostra-me tudo isso se eu não sair da pedra onde me sento.
Na prisão das paredes brancas os homens disseram que era curto o meu tempo, para breve a minha morte se os seus muros abandonasse. Desconhecem que nesta pedra onde me sento existe todo o tempo que me define.
Olhem os pássaros que voam nos seus voos circulares, a luz de bronze nos troncos dos plátanos, o murmúrio das folhas, a mania que têm de brincar a esta hora com a brisa que chega de nascente; olhem o cão deliciado com o perfume da terra e como corre inebriado com as palavras que a terra lhe segredou; olhem como a bola foge das mãos daquela criança para lhe mostrar como é infinita a largura desta praça. Olhem e digam-me como pode ser curto o meu tempo se da pedra onde me sento consigo ver esta eternidade.
Por isso não me voltem a pedir que me levante da pedra onde me sento, se daqui até já o meu corpo vejo, imóvel e sereno a contemplar a praça infinita.
A bola que fugia das mãos da criança imobilizou-se; e o cão no seu salto inebriante; e os pássaros no seu voo circular; imobilizaram-se todos os sons.Como podia ser curto o meu tempo se daquela pedra lá em baixo, distante, eu ouvia o murmúrio eterno dos plátanos.

1 comentário:

  1. Feliz o Homem de deixa boas memorias, mais Feliz o Homem que as recorda com Paixão..... a gente vê-se na fonte do toural...

    ResponderEliminar