sábado, 25 de julho de 2009

Montes Brancos



É a mesma tarde de sempre, o mesmo vale entre as colinas, os montes distantes onde os cumes parecem elefantes. Existe o ribeiro de terra lamacenta e a estrada branca que corta a encosta. Ao lado da estrada existe a casa, as telhas ondulam ao sol das três da tarde, algumas estão partidas. Nas traseiras da casa está um automóvel assente em tijolos, uma boneca sem braços entre duas pedras, pneus dispersos pelo chão, grades de plástico encostadas à parede. Está sempre um cão a farejar a terra e um bando de aves, penso sempre que são perdizes, a levantar da erva seca. As duas árvores na margem do ribeiro são a única sombra.
Um carro desce a encosta. Segue-o uma nuvem de pó que vai morrendo à medida que se dispersa no ar. De quando em quando acontecem minúsculas explosões de luz na superfície do automóvel. Uma perdiz afastou-se das demais, pairou sobre a curva do ribeiro, fez um círculo largo ascendente e voltou ao bando. O cão esticou o corpo, enterrou a cabeça entre as patas dianteiras e imobilizou-se. O bando de perdizes subiu alto no céu e o cume branco dos montes distantes ficou por detrás dele. Mudou de forma, ficou uma mancha negra, a diminuir, a desaparecer.
Um insecto, talvez uma libelinha, passou rente ao pescoço o cão. O cão fez um movimento rápido com a cabeça e voltou a imobilizar-se. O carro vai diminuindo a velocidade e detém-se em frente da casa. A nuvem de perdizes voltou a mudar de direcção, traçou uma linha negra no branco dos montes e começou a crescer.
Já não há vestígios da nuvem de pó que perseguia o automóvel. Nenhum ruído atravessa o ar, o cão continua imóvel, o bando de perdizes desceu sobre o ribeiro, fez um voo rente ao fio de água e desapareceu na sombra das árvores.
Há outro carro a descer a colina. A nuvem de pó que o persegue demora mais tempo a desvanecer-se.
Duas perdizes abandonaram os ramos, sobrevoaram o ribeiro e foram pousar na outra margem, entre os troncos caídos. O cão levantou-se, sacudiu o corpo, aproximou-se do carro imóvel e afastou-se em direcção à casa. Sentou-se à entrada com a cabeça voltada para a grande nuvem que desce a colina. Um lagarto atravessou a estrada e desapareceu entre as ervas secas.
A mulher saiu do carro, o ruído da porta ao fechar-se assustou as perdizes escondidas nas árvores, algumas fizeram um voo curto e regressaram à sombra. A mulher está vestida com a cor da terra da estrada, traz uma carteira ao ombro que, por duas vezes, reflectiu a luz do sol. Pára quando chega ao outro lado da estrada e olha para a nuvem de pó que se aproxima. Foi nesse instante que afagou o ventre com ambas as mãos. Depois olhou para os montes distantes e desapareceu dentro da casa.
Uma das perdizes da outra margem regressou à sombra das árvores. O cão procura qualquer coisa entre a erva.
O segundo carro foi parar longe, depois da casa. O homem saiu e o ruído da porta a fechar-se fez levantar o bando de perdizes – elevou-se no ar e começou a diminuir ao encontro do cume branco dos montes.
O homem atravessou o caminho quando a nuvem de pó que o perseguia desapareceu. Entrou na casa.
O bando de perdizes é uma bola a saltitar, alonga-se e volta a ser uma bola. É uma linha escura que corta o branco dos montes distantes.
Não há sons. O cão deitou-se na erva. Não há nuvens de pó no caminho.
Da casa veio um ruído, talvez um grito

(...)

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