sábado, 25 de julho de 2009

O Convite


O que mais lhe custara havia sido escrever os convites, ou as ordens, melhor dizendo. Vinte e quatro, cada uma com o seu texto próprio e o nome do destinatário bem explícito no meio das frases para que não existissem dúvidas de que a mensagem era pessoal. Consultou o relógio de ponteiros na parede do fundo: agora via melhor do que nunca, havia uma minúscula mancha castanha sobre o ponteiro das horas e faltavam cinco minutos para as nove da noite. Provavelmente iam chegar todos ao mesmo tempo; até conseguia imaginá-los a combinar isso mesmo – a companhia dá-nos a ilusão de força, ou cobre com uma manta a miserável cobardia.
Demorara vários dias a escrevê-los porque só a lentidão extrema lhe permitia desenhar as letras de forma legível, e, acima de tudo, manter alguma aproximação à caligrafia que sempre fora a sua e os destinatários conheciam na perfeição. Mas conseguira, estava feito, os vinte e quatro cartões escritos e metidos em envelopes fechados, um nome em cada um deles, todos deixados em cima da mesa do vestíbulo, e uma ordem adicional à criada para que os metesse no correio nesse mesmo dia, porque a sua voz alterara-se com uma velocidade surpreendente nos últimos dias e transformara-se em algo para o que ainda não conseguira descortinar um nome. A escolha da cor violeta para os envelopes fora um capricho, nada mais. Mas acentuava o mistério, e isso agradava-lhe.
Aproximou-se de uma das janelas da parede Oeste. Sempre fora a sua vista preferida, com as copas das laranjeiras a marcarem o fim do jardim, o riacho que no fundo da encosta encontrava o rio, e depois as montanhas, que no cair das tardes de Outono se cobriam com uma névoa azulada. Há muito que se encontrava ali sozinho, sem que ninguém o visse, desde o fim da primavera, se a memória ainda funcionava como dantes. Conseguia sentir o vento que àquela hora fustigava os pinheiros e as giestas, apesar da escuridão e do isolamento perfeito que a casa sempre tivera. E sentia cada vez mais forte o apelo por esses grandes espaços. Mais um par de dias, talvez, e partiria. Mas antes eles tinham de vê-lo. Esse seria o momento solene da noite, o seu maior prazer.
Com um movimento brusco esmagou a pequena aranha que corria sob a secretária. Porque fizera aquilo? Podia partir simplesmente, agora que a transformação se consumara e o mundo se adivinhava outro. Mas ele nunca fora homem de deixar dívidas por pagar, e não iria fazê-lo agora que deixara de sê-lo.
A verdade é que havia vários motivos para ter inventado aquele banquete। Se havia coisas que aprendera muito bem, era que no mundo dos homens nada era simples, e quando se dizia que determinada causa provocara tal acontecimento, era porque se retirava do conjunto infinito de causas a única que, conhecida, fazia sentido, e que, tantas vezes, não era a mais importante. Além disso, os homens não se davam bem com a multiplicidade e tendiam a tudo resumir. As coisas ou estavam certas ou estavam erradas, um comportamento ou era bem ou era mau, e assim por diante. Fora sempre assim com os homens que conhecera. Mas a verdade é que ele estivera sempre acima dessa redutora maneira de olhar o mundo.

(...)

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